E não conto os anos —
conto os milagres.
Conto as
manhãs em que, mesmo com dor,
acordei com vontade de amar.
As noites em que rezei em silêncio,
e senti Deus a velar por mim.
Fui moldado
pelo sofrimento,
mas não vencido por ele.
As quedas fizeram parte do caminho —
mas foi nelas que a graça me levantou.
A minha vida
tem sido dom.
Ofício de amor, de escuta, de cuidado.
Ao altar, ao Evangelho, ao povo de Deus.
E que povo tão bom o que me foi confiado!
Tantos rostos, tantas histórias,
tantas vidas que me ensinaram
que servir é também ser servido pelo amor dos outros.
A família…
ah, a minha família —
sangue, raiz, sustento.
Presença firme, mesmo na ausência.
Teceram em mim a fé, a coragem,
a alegria de ser quem sou.
E os amigos…
esses que preenchem os vazios com um simples existir.
Mesmo que liguem pouco, mesmo que o tempo passe.
Basta saber que estão.
E já não estou só.
E continuo.
A viver. A gostar de viver.
Mesmo com as limitações do corpo,
mesmo com a memória que, às vezes, se engana.
Sim, sou um
milagre.
Milagre da intercessão de Maria,
essa Mãe que nunca falha,
a quem me confiei tantas vezes
como filho, como padre, como homem.
Costumo dizer-Lhe:
sou Teu milagre. E sou.
Hoje, não
celebro só um número —
celebro a Graça.
Celebro o dom de ser,
de ter amado e sido amado.
Celebro os dias dados e os que ainda virão.
Até quando Deus quiser.
E depois…
peço p’ra cair nos braços d’Ele,
como quem regressa à Casa,
com o coração cheio de nomes,
de gestos, de afetos.
E descobrir, enfim,
que a liberdade maior
é ser eternamente de Deus.
Carlos Lopes